
Lula não irá ao primeiro de maio. A ausência que já seria simbólica por si só torna-se ainda mais emblemática quando aliada a dois elementos cruciais do atual momento político: o recuo diante da proposta da jornada de trabalho 6 por 1 e o escândalo de corrupção no INSS, que já se configura como um dos mais graves da história recente. Em vez de protagonismo, o que se vê é um presidente que prefere calar. Em vez de coragem, um governo que opta pelo silêncio conveniente, ainda que este ecoe como omissão.
Há momentos em que, mesmo sabendo que a batalha será perdida, o líder precisa enfrentar o bom combate. Precisa deixar claro de que lado está, mesmo que o Congresso — ou as “forças conservadoras”, como rotula a esquerda — imponha uma derrota. Não é vergonha perder defendendo uma causa justa; vergonha é se esconder para não ser associado à derrota. Vergonha é trair o discurso que sempre sustentou a própria imagem.
A escala 6×1, que permite que o trabalhador folgue apenas uma vez por semana, sempre foi alvo de críticas do próprio Lula. O agora presidente, quando sindicalista, sempre vociferou contra essa jornada que considera desumana, arcaica e exploradora. Mas, ao chegar ao poder, teve a oportunidade real de abraçar a causa, encampar o projeto, bater no peito e dizer: “estamos com os trabalhadores”. No entanto, fez justamente o contrário. Silenciou, recuou, evitou o confronto. Uma oportunidade histórica desperdiçada por puro cálculo político. Cálculo esse que revela medo, não estratégia.
E o medo se alastra para além da jornada de trabalho. Ele chega ao âmago do Estado: o Instituto Nacional do Seguro Social. O órgão que deveria proteger os direitos dos trabalhadores aposentados, agora é o centro de uma tempestade de corrupção. A Polícia Federal colocou nas ruas mais de 700 agentes em operações que resultaram em prisões, buscas e apreensões. Os alvos? Servidores públicos e intermediários que roubaram aposentados — brasileiros que contribuíram por décadas e agora são tratados como moeda de troca em esquemas ilícitos.
A reação do governo? Praticamente nenhuma. O presidente não fez sequer uma declaração pública. Limitou-se a acatar a decisão da Justiça que mandou afastar o presidente do INSS, e só. Nenhuma palavra de solidariedade às vítimas, nenhum gesto de empatia com os milhares de aposentados lesados. Nenhum sinal de que há indignação por parte de quem deveria ser o defensor máximo do cidadão. Quando o presidente não se posiciona diante de um crime dessa magnitude, o que ele comunica é cumplicidade ou, no mínimo, indiferença.
O silêncio de Lula não é apenas político; é também moralmente indefensável. Em um momento em que o país exige respostas, ele opta por desaparecer. Não é a primeira vez que age assim — mas talvez seja uma das mais impactantes. Afinal, não se trata de disputa partidária, mas de um assalto contra idosos, pessoas vulneráveis, vítimas da burocracia estatal e do desprezo institucional. Roubar aposentado é um dos crimes mais covardes que existem. E o silêncio diante disso é igualmente covarde.
A comunicação governamental, neste caso, falha gravemente. Um presidente que silencia diante de um escândalo que envolve diretamente o Estado e afeta a base mais frágil da sociedade perde autoridade moral. Perde o direito de discursar em nome dos trabalhadores. Perde o direito de se autodenominar representante do povo. E isso é um erro gravíssimo — um erro que pode custar caro. O povo perdoa erros, mas não perdoa a omissão.
Não é exagero dizer que Lula perdeu o Dia do Trabalhador. Perdeu simbolicamente, perdeu moralmente, perdeu politicamente. Um presidente que se esquiva da luta, que não enfrenta a derrota com altivez, que evita se posicionar por medo de se desgastar, mostra não apenas fragilidade, mas também uma crise profunda de convicções.
Se a proposta da jornada 6×1 era considerada um avanço civilizatório por seus apoiadores — e por ele mesmo no passado —, por que recuar? Por que não enfrentar as forças conservadoras no Congresso e, se derrotado, ao menos sair com a imagem de quem tentou, de quem defendeu o trabalhador? O que se viu foi um presidente que se esconde atrás das dificuldades parlamentares para não assumir o desgaste político. Mas o que é um líder senão alguém disposto a enfrentar as dificuldades?
Lula poderia ter feito um gesto simbólico, uma fala pública contundente, uma presença política inegociável no primeiro de maio. Poderia ter dito, aos quatro ventos, que estava ao lado do povo. Poderia ter olhado nos olhos dos aposentados e dito: “estou com vocês”. Mas preferiu o silêncio — um silêncio que dói, que fere, que trai. E que será lembrado.
É curioso observar que a base governista insiste em rotular qualquer oposição como conservadora, atrasada, reacionária. Mas, quando precisa do Congresso, recorre a esses mesmos deputados. Critica-os nas redes, mas os bajula nos bastidores. Essa contradição já não passa mais despercebida. O Brasil assiste a mais uma farsa institucionalizada. E o povo, que há muito tempo deixou de ser ingênuo, percebe isso com clareza.
O escândalo do INSS, ao lado da covardia no caso da jornada 6×1, forma um quadro desolador para um governo que se pretendia progressista. Um presidente que prefere se calar diante de uma crise, por medo de associar sua imagem ao fracasso, demonstra que a prioridade não é o povo, mas a manutenção do poder a qualquer custo.
E que custo é esse? O custo da moral pública, da confiança institucional, da lealdade ao discurso histórico. Lula, que fez sua carreira em cima da retórica do sindicalismo e da defesa dos mais fracos, hoje abandona os aposentados à própria sorte, abandona os trabalhadores à mercê do Congresso, e abandona o Brasil ao desalento de uma liderança ausente.
Tudo isso ocorre às vésperas de um momento simbólico: o Dia do Trabalhador. Um dia em que se esperava postura, firmeza, solidariedade, engajamento. Um dia que deveria ser marcado por pronunciamentos fortes, por promessas claras, por diretrizes públicas. Mas que será lembrado pela omissão presidencial, pelo silêncio constrangedor, e pela falta de coragem de enfrentar o bom combate.
A política exige riscos. Governar é escolher. E quando o governante não escolhe, ele na prática abdica de governar. O Brasil não precisa de um presidente que apenas ocupa uma cadeira no Planalto. Precisa de alguém que assuma responsabilidades, que enfrente crises, que fale com a nação nos momentos difíceis, que não fuja da luta, mesmo quando sabe que vai perder. Porque perder tentando é digno. Fugir é vergonhoso.
A crise no INSS continuará a crescer. As revelações da Polícia Federal virão em catadupa, como bem alertaram os analistas políticos. E quanto mais elas vierem, mais se cobrará um posicionamento presidencial. Um presidente não pode permanecer mudo diante de uma tragédia social e institucional dessa magnitude. O mínimo que se espera é empatia, solidariedade, indignação. E nada disso foi apresentado até agora. Silenciar é, de certo modo, compactuar.
Diante disso, resta ao povo brasileiro a reflexão: onde está o presidente quando o trabalhador é roubado? Onde está Lula quando o Brasil exige firmeza? Onde está o discurso da esquerda quando os fatos desmontam a narrativa?
O primeiro de maio de 2025 ficará marcado não por avanços sociais, mas por omissões imperdoáveis. Lula não foi ao evento. Não falou com os aposentados. Não defendeu o fim da jornada desumana. Não enfrentou os conservadores. Não demonstrou liderança. Simplesmente não esteve presente — nem física, nem moral, nem politicamente.
E quando o presidente da República se ausenta de tudo isso, o que sobra para o povo é a dura constatação: estamos sozinhos.